TRAJETÓRIA

BOMBRIL, VASSOURA, ESFREGAO...

O que parece pra vocês? 

Uma lista de compras, certo!  

Pois deveria ser apenas isso sim! 

Mas esta lista, foi apenas alguns dos que descrevo aqui, que ouvi o meu cabelo ser chamado na infância!

Não adiantava as tiaras, os tic-tac, as chiquinhas, as flores à enfeita-los. Quando adornado chamava mais atenção! 

Por que tamanha estranheza com o diferente?

Meu sonho sempre foi ter os cabelos que balançassem com o vento. Lisos que os dedos escorressem entre eles. Que ao fazer uma chiquinha caísse comprido nos ombros e não uma bola quadrada ao lado da cabeça. 

Os comentários, risos, sempre me machucaram muito! Apesar de eu não entender o porquê! Aos 6, 7, 8, 9 anos as crianças não tem tantos discernimentos assim, para entender tudo que ocorre ao seu redor. Ainda mais a 40 anos atras. 

Aos 10 pedi para alisar os cabelos! Queria aquela sensação de balançar! E ao descobrir que tinha como fazer eu quis! Minha avó me levou (várias vezes), em uma galeria cheia de portas, no centro de Porto Alegre (mais tarde saberia que era a Galeria do Rosário). Adentrávamos naquele corredor e no salão lotado, e o nariz ardia e os olhos lacrimejavam, devido ao forte cheiro dos produtos, incluído o ENE que era quente!  Levei   muitos e muitos anos até descobrir que nem todos os salões tinham aquele cheiro. 

Ao ler o livro Malcon X na vida adulta, me identifiquei naquele momento que ele relata que a cabeça queimava para que os cabelos ficassem parecendo como os de um branco. Era assim que eu saia de lá!

 Malcolm X ( Omaha, 19 de maio de 1925 —Nova Iorque, 21 de fevereiro de 1965) Em um dos seus discursos ele disse: 

“Suportar toda aquela dor, literalmente queimar minha carne só para fazer com que meus cabelos ficassem parecendo com os de um branco. Eu me juntava à multidão de homens e mulheres negras que sofreram uma lavagem cerebral tão grande até acreditarem que os pretos são "inferiores" - e os brancos "superiores" - e que devem até mesmo violar e mutilar os corpos que Deus criou para tentarem parecer "bonitos" pelos padrões dos brancos.
Assim como para qualquer mulher preta, digo ao homem preto que se dessem ao cérebro em sua cabeça só a metade da atenção que dão aos seus cabelos, estariam mil vezes mais humanos.”

Crescer em um mundo que não tinha produtos especializados para o cabelo afro, divulgado pela grande mídia, foi outra grande frustação. Um shampoo qualquer deixa o cabelo que é um arame o fio. E precisa de muito condicionador e creme para devolver a macies dos cachos.

Adulta uso meu cabelo como desejar. Liso, crespo, curto, comprido, com tinta ou sem, com química ou sem, e ninguém tem nada que ver com isso! 

Deixo aqui meu recado pra você que não tem cabelos afro e vem falar algo diferente, de que ele é bonito! Ou criticar! Se alguém te dizer que tua fala machucou, não é mi mi mi! Não tente justificar dizendo que era "uma brincadeira". Não é brincadeira e você quis MACHUCAR SIM!   CALE-SE! PEÇA DESCULPAS! Se não conhece a história do Povo Negro, vá ESTUDAR! 

Por muito tempo aceitamos calados com essas:  "Era uma brincadeira”, “Não se pode falar mais nada", " não queria ofender"... Isso mesmo! NÃO SE PODE FALAR MAIS NADA, que agora você vai ter resposta sim! E chato é ter que ficar explicando toda vez que isso é RACISMO!

Clarice Antunes